Muitos anos se passaram até que fosse aberta e processada a caixa de papel Agfa Record Rapid que serviu de suporte para este trabalho. Essa é, talvez, a metáfora que dá sentido a esse momento único, em que o fotógrafo expões intimidades fotográficas em imagens únicas. Imagens, processo e autor: é impossível qualquer repetição.
Muitos anos se passaram, também, até que o fotógrafo Luís Pavão decidisse realizar e exibir uma série de fotogramas. Imagens impressas diretamente sobre papel fotográfico. Como os primeiros photogenic drawings obtidos por William Henry Fox Talbot em 1834, os fotogramas representam o encontro do fotógrafo com a luz sem a mediação da máquina fotográfica.
A matéria-prima dessa série é de uma extrema simplicidade técnica, e ao mesmo tempo de uma imensa riqueza vocabular. Da fotografia, o autor subtraiu a câmara e deu vida à luz. Do seu vasto repertório conceptual, o fotógrafo escolheu o desenho. Ao unir a luz ao desenho, objetos do cotidiano do autor foram retratados numa linguagem tipicamente fotográfica, que utiliza o real para produzir novas visualidades, e ampliar as perspectivas e os motivos do olhar.
Desde sempre ligado a todos os processos que envolvem a elaboração da imagem fotográfica, Luís Pavão realiza um recorte em sua própria obra, e revela, de forma simples e em imagens únicas, a relação de proximidade entre o fotógrafo e a luz, num processo intimista sem mediações.
Estão franqueados ao olhar do observador, tornado cúmplice, os objetos do cotidiano, o desenho, a luz, e o fotógrafo.
Lisboa, Março de 2020
Renato Meneses